Entrevista: Athos Bulcão “a arte nasce do silêncio do artista”

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 “Artista eu era. Pioneiro eu fiz-me. Devo a Brasília esse sofrido privilégio. Realmente um privilégio: ser pioneiro. Dureza que gera espírito. Um prêmio moral”. Athos Bulcão

A arte nasce do silêncio do artista?
Eu acho que, sem silêncio, a pessoa não consegue ouvir nada interiormente. Mas
depende do temperamento. Eu resolvi brigar com a novela das oito [risos] e, por causa
da briga, consegui fazer uma série nova de desenhos, totalmente diferentes. Na hora da
novela, eu ficava desenhando. Eu acredito muito em disciplina, no vai lá e faz alguma
coisa. Eu fico imaginando quanta coisa as pessoas poderiam fazer e não fazem. Não
estou contra as novelas, mas é que está um pouco demais a dependência que as pessoas
têm com as tramas das novelas.

O senhor sempre destaca Portinari como uma referência?
Eu fazia cerimônia com o Portinari, ele era muito importante. Até que uns amigos meus
me levaram a casa dele num domingo. Mas isso já foi quase em 1945. E fiquei muito
amigo dele. Uma vez, eu mandei uns quadros para uma seleção para uma exposição na
Argentina e me cortaram. O Portinari ficou indignado, achou um absurdo, ficou aquela
conversa toda e, de repente, ele me disse: “Você quer trabalhar em Belo Horizonte, na
equipe lá do São Francisco da Pampulha?”. Então eu fui.

Então vamos falar do encontro com Niemeyer.
Eu desenhava na casa do Burle Marx, enfim, ajudava a esticar telas, fazer coisas assim
bem artesanais, para aprender a pintar em tela, seguindo a formação do pessoal do
Portinari. Eu estava um dia fazendo uns desenhos a guache e o Oscar entrou lá para
falar um assunto qualquer com o Roberto, e disse: “O que é isso?”. Eu respondi. E ele:
“Ah, que coisa bonita. Vamos fazer um azulejo com isso”. Foi o Oscar que me orientou
muito no começo nestes problemas de visualidade, de espaço, distância. Isso eu aprendi
com ele. Ele falou uma vez que o Lucio Costa tinha posto ele no caminho, nos trilhos,
na maneira de desenhar. E foi o Oscar quem me botou nos trilhos nesta parte do
pensamento de arquitetura.

Onde é que está a receita para este casamento tão perfeito entre arte e
arquitetura?
Eu acho que a minha atitude diante da coisa ajuda nisso. O primeiro cuidado é não
parecer que o prédio foi feito para ficar com aquela decoração na frente. Precisa sentirse que é muito necessário, no que se refere à conclusão do projeto, evitar que pareça um
ornamento gratuito, do tipo “vou lá e vou enfeitar”. O resto é um pouco de bom senso,
que eu acho que está faltando. Estou assustado com a quantidade de layouts um do lado
do outro. Fica tudo junto e a gente não vê nenhum.

E o trabalho com as máscaras?
Eu acho que tenho um grilo qualquer neste campo. Acho que a minha relação com a
minha mãe me inspirou. A ideia surgiu no último momento do filme 2001 – Uma
Odisseia no Espaço, com o feto. E elas são fetos, elas estão trancadas dentro do útero,
eu imagino que é uma indagação sobre a origem biológica. São pensamentos que eu
faço, acho uma possibilidade. A intenção é fazer um objeto, brincar com a antropologia,
com a origem física. Eu estava em Paris, em 1971, no Musée de l’Homme, vendo o
museu de arqueologia, e fiquei pensando que aquilo eram escavações, que o material
das peças era um estranhamento bonito. Pensei em fazer uma exposição com máscaras
que parecessem feitas de matérias estranhas. A exposição chamava-se É Tudo Falso,
uma brincadeira com a questão da obra de arte. A obra de arte é uma ilusão. Primeiro,
porque não serve absolutamente para nada, é o lado fascinante. Depois, como dizer quando uma obra de arte é verdadeira e quando é falsa? Quis, então, despertar no observador o interesse, a curiosidade em saber o material com que foi feito. 

(trechos -entrevista concedida pelo artista ao Jornal de Brasília, publicada no dia 2 de julho de 1998 /Carmem Moretzsohn)

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