E eu que tinha como um dos objetivos da viagem à Bahia dialogar com Carybé, terminei conseguindo-o no Rio…? Ele esteve dois meses na Europa e passava por aqui, rumo a Salvador. E eu o tive à minha frente com seu ar dos mais humanos que já senti: é uma pessoa de fato.
Seu nome é mesmo Carybé?
– Fui registrado como Hector Bernabó. Carybé é meu nome de artista.
Você é argentino de nascimento, mas brasileiríssimo e, ainda por cima, baianíssimo de coração. Como é que você explica seu amor, aliás correspondido plenamente, pelo Brasil?
– É simples: saí da Argentina ainda criança de colo; depois fui para a Itália (meu pai era italiano) e aos oito anos vim para o Rio. E ainda por cima minha mãe era gaúcha. Quanto à Bahia, foi um namoro comprido. Conhecemo-nos em 1938. Fiquei com a ideia fixa de morar na Bahia e voltei lá por duas vezes, sem poder concretizar meu desejo. Até que uma carta vergonhosamente elogiativa de Rubem abriu-me as portas da Bahia na pessoa de Anísio Teixeira, no governo de Otávio Mangabeira. E me deram a tarefa de desenhar durante um ano as coisas da Bahia. Esse ano se estendeu pelos 19 em que estou lá.
Agora, Carybé, você vai por favor me explicar o fascínio da Bahia a que também sucumbi, tanto que só penso em voltar e passar pelo menos um mês trabalhando por lá.
– Minha linha era sempre uma aventura sul-americana. Fui para o Peru, para a Bolívia, para o Chaco argentino, onde morei com os índios. Mas a Bahia ganhou o campeonato porque é uma cidade viva. Em geral as cidades que têm história, arquitetura – enfim, que viveram desde o começo da América – são cidades-museus. Mas a Bahia tem arte e arquitetura modernas, um povo alegre, simpático, sobretudo bom, ao mesmo tempo que fortalezas, catedrais e o mar que é maravilhoso.
Poucas vezes vi mar mais bonito e mais audacioso que o da Bahia.
– Salvador é uma cidade que parece encomendada para artistas plásticos, para escritores, cineastas. Enfim, tudo lá é uma espécie de incubadeira para essa gente.
No começo de sua carreira como pintor, é verdade que você desenhava muito os botos?
– Eu trabalhei muito em jornal para poder ter dinheiro e ilustrava livros. Até que pouco a pouco pude me sustentar exclusivamente com a pintura. Isso se deu na Bahia, o lugar onde eu menos imaginava que pudesse viver só de arte.
Mas… e os botos?
– Os botos, quando mais contato tive com eles, foi ilustrando um livro de Newton Freitas sobre lendas amazônicas. E também numa viagem longa que fiz pelo Amazonas, onde os bichinhos pulavam acompanhando as alvarengas (canoas imensas) e os navios-gaiola. Nunca vi um transformado em pessoa…
Você hoje é chamado pelos ingleses de “o pintor dos cavalos”. E eles compraram nada menos que 40 telas suas… Como eu tenho alucinação por cavalos de todas as espécies, queria saber se você também tem.
– Tenho, sim, Clarice, é o animal de que eu talvez mais goste. Viajei muito em companhia deles. Agora a coisa de “pintor de cavalos” foi devido ao presente que a Bahia ofereceu à rainha da Inglaterra. Sendo ela também apreciadora de cavalos, o embaixador Russell sugeriu que lhe fosse dado um quadro meu onde figuravam montarias. Agora fiz uma exposição em Londres; em novembro farei outra na Tryon Gallery, com tema indicado, cavalos. Concorrerei com pintores de umas oito nações: ingleses, mexicanos e australianos, entre outros.
O rosto humano lhe interessa para desenhar?
– Me interessa demais até, mas não sou retratista. O que mais eu apreendo são gestos do corpo todo, movimentos, maneira de sentar, de andar, de carregar coisas, enfim, a vida humana e a dos bichos. Eu adoro bichos.
Você tem muitos amigos na Bahia – isto é, amigos que você frequenta?
– Eu graças a Deus não tenho inimigos. Sou muito amigueiro e tenho amigos um pouco pelo mundo todo.
Posso dagora em diante ser considerada por você também sua amiga?
Você é minha amiga há muitíssimos anos através de Inês Besouchet, do Marino-Macunaíma, do Jorge Amado, da Zélia, do Rubem e outros amigos comuns. E sobretudo por ter lido o que você já escreveu.
O que me diz você na Bahia dos músicos, pintores, escritores?
– Está tudo no ar. Não no ar da tevê, como se diz agora, mas no ar mesmo, no sol, e no povo. Na Bahia não há grupos em choque: cada um trabalha como acha que deve ser. Eu penso que é isso que dá essa atmosfera de criação que se respira lá e que nos inspira. É uma coisa misteriosa, Clarice, porque os plásticos, os músicos, os escritores, os poetas brotam com facilidade e com amizade mútua.
– Há quantos anos você pinta, Carybé?
– Tenho 58 anos, pinto desde os 15. Faça a conta.
Por que você escolheu o pseudônimo de Carybé?
– Tenho um irmão que também é pintor e dava confusão os dois com o mesmo nome. Aí procurei um pseudônimo. Veja você, eu era escoteiro do Clube do Flamengo e pertencia a uma patrulha na qual todos tinham nomes de peixes. E eu era o peixe carybé. Achei o nome sonoro e curto, e adotei-o. E não diga nada a ninguém, mas o carybé é uma piranha …
Fonte ; (trechos) Lispector Clarice , Entrevistas . ed. Rocco
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