Um romancista e um antropólogo, contemporâneos mas separados por continentes: Édouard Glissant e Eduardo Viveiros de Castro, de maneiras e em contextos distintos, falavam, de alguma forma, a mesma língua.O francês abordava os temas da escravidão, da migração forçada, do genocídio; o brasileiro, estudando a cultura ameríndia, trazia reflexões sobre quem mata e quem morre. É nessa leitura livre dos autores que Jacopo Visconti, curador da 34ª Bienal de São Paulo, encontrou inspiração para o projeto que ocupará o Ibirapuera no próximo ano.
“O conceito de relação, geralmente visto como algo pacífico, esconde também interações conflituosas. Uma relação pode ser com um parceiro ou com um inimigo”, diz Jacopo. Nesse recorte, a Bienal buscará tocar em uma das feridas contemporâneas: a dificuldade em estabelecer conexões com o outro.”
(…) Jacopo afirma que a 34ª edição do evento também passará por mudanças em relação à ‘profundidade’. A ideia é trabalhar com uma curadoria que, em um primeiro momento, faça afirmações para, depois, se abrir ao diálogo e à relação. Na prática, tudo passa pelo processo de ocupação do prédio: as obras irão ganhar novos sentidos e reflexões conforme forem sendo cercadas por novas peças.
Presidente da Fundação Bienal, José Olympio explica que o projeto escolhido contempla uma demanda da entidade, que já manifestava desejo de expandir a Bienal para as ‘ruas’ de São Paulo. Em parceria com dezenas de instituições culturais paulistanas, mostras realizadas em setembro e dezembro levarão a exposição para esses espaços.
Para Jacopo e Olympio, o projeto curatorial da Bienal 2020 é pensado a partir de São Paulo, do Brasil e do mundo. “Há uma sensação geral, na última década, de polarização, de fechamento. No lugar de se abrir para o outro, erguem-se muros”, diz Jacopo. “O que nós queremos trabalhar é a necessidade das pessoas se relacionarem sem precisar abandonar suas individualidades, sem homogeneização das ideias”, concorda o presidente da Fundação.
O objetivo, diz Jacopo, é propor discussão. “De uma maneira poética e livre. Essa Bienal não tenta resolver o problema, mas reagir à ele”, afirma. “Queremos destacar a necessidade de estabelecer relações com o outro como ponto de partida para a solução que a sociedade precisa”.
Fonte ; Thaís Ferraz , Estadão