“A Verdade saindo do Poço” por Jean-Léon Gérôme e a parábola do século XIX

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Em Moulins, na França, mais precisamente no Museu Anne-de-Beaujeu, está a tela “A Verdade saindo do poço”, de 1896, de autoria de Jean-Léon Gérome, escultor e pintor francês.
A pintura está ligada à parábola judaica sobre a Verdade e a Mentira, que diz:Certa vez a Verdade e a Mentira se encontraram. Caminharam juntas um bom tempo, através de longo caminho, comentando sobre tudo o que viam. A Mentira estava muito à vontade, a Verdade, nem tanto. À beira de um riacho, a Mentira comentou quão convidativa estava a água, como se harmonizava com a temperatura do ar, no que a Verdade concordou. Perto dali, encontraram belo poço, abastecido pela água do riacho e coberto lindamente pela vegetação local.
“Vamos entrar no poço?”, convidou a Mentira. Parece que a água nos está chamando!”A Verdade, ressabiada, não concordou de pronto, mas ao experimentar com a mão a água do poço, percebeu que realmente estava deliciosa. Tiraram as roupas, entraram na água e continuaram a conversar. Num descuido da Verdade, porém, a Mentira saiu muito depressa de perto da companheira, subiu a pequena ladeira lateral e roubou as roupas da Verdade que estavam nos galhos da árvore, à margem dali. Mesmo sob protestos da companheira, vestiu-as e saiu correndo, deixando a Verdade para trás, totalmente nua, porque ela se recusou a vestir as roupas andrajosas da Mentira e imaginou, dentro de sua pureza e inocência, que não teria do que se envergonhar se andasse daquela maneira até recuperar seus pertences.
Não tendo outra opção, saiu a caminhar nua pelas ruas, procurando pela Mentira, já vestida com suas roupas. Mas não foi bem sucedida. As pessoas aceitaram bem a Mentira vestida com as roupas da Verdade, mas não acolheram a Verdade nua, que foi-se vendo constrangida com os olhares de reprovação, mesmo que todos soubessem do ocorrido, que suas roupas estavam em poder da falsa amiga e usurpadora. Ao perceber a hipocrisia das pessoas que se mostravam desgostosas e desagradadas por ver a Verdade nua, e aceitavam tão bem a Mentira vestida com suas roupas, voltou para o poço, entrou nele e desapareceu para sempre, escondendo sua nudez dos olhos da humanidade.
Desde então a Mentira perambula pelo mundo, vestida com as roupas da Verdade e é bem aceita aonde quer que vá.
Há, no entanto, outra versão para o final. A Verdade, quando voltou ao poço, recusou-se a vestir as roupas da Mentira e, por não ter do que se envergonhar, saiu a caminhar nua pelas ruas das vilas e cidades. Percebeu então que aos olhos de muita gente, é preferível encontrar a Mentira vestida de Verdade, que a própria Verdade … nua e crua.
Texto ; Lúcia Brigagão