” Acho que contribuí à consciência do cuidado do planeta. Tive sucesso e cheguei com meu trabalho às pessoas graças a organizações como a Unicef, Save the Children, Médicos Sem Fronteiras…, mas eu sozinho com minhas imagens não teria feito nada, seria como o pó.” ..
Fotografou os desfavorecidos, sua fotografia foi descrita como humanitária e social.
Não quis retratar os desfavorecidos, eu nunca fui um militante, é somente minha forma de vida e o que eu pensava. Houve quem disse [como Susan Sontag] que Salgado fazia estética da miséria… Meu cu! Eu fotografo meu mundo, sou uma pessoa do Terceiro Mundo. Conheço a África como a palma de minha mão porque há somente 150 milhões de anos a África e a América eram o mesmo continente.
Também sempre teve claro que sua obra de peso seria em preto e branco?
Claro, em cores era para as encomendas… Olhe ali! Salgado mostra um lado do vestíbulo do hotel em que ocorre a entrevista, decorado com sofás violetas e vermelhos. Lá, um retratado se perderia entre essas cores. A fotografia colorida acentua as cores, e isso me distraía. Com o preto, o branco e o cinza isso não ocorria. Sabe outra coisa que me desconcentrava? Quando, na época em que se utilizava filme, tinha que parar, tirar o rolo e trocá-lo por outro. E o que fazia? Cantava. Como conseguia trocar o filme de olhos fechados, cantava MPB e assim não perdia a concentração.
Em algumas de suas célebres fotografias, como a de um garimpeiro em Serra Pelada, apoiado em uma estrutura de madeira, se vê referências da iconografia cristã. Isso lhe serviu de inspiração?
É possível, eu sou de Minas Gerais, o Estado mais barroco do Brasil. Quando fotografo, sempre há um pequeno rastro de algo que me influenciou. Certamente quando fiz essa foto eu via São Sebastião com as flechas, mas minhas fotografias não são modernas e pós-modernas, são barrocas porque vêm desse mundo.
Em 2014, sua vida e obra inspirou o premiado documentário ‘O Sal da Terra’, dirigido por seu filho Juliano e Wim Wenders. Como foi a experiência?
Muito difícil, porque o fotógrafo precisa se relacionar com o que fotografa e quando você se transforma em intermediário é um produto de quem está filmando. Meu filho já havia me filmado… e eu brigava com ele, mas era meu filho, era mais simples. Na filmagem com ele e Wim existiam três câmeras, uma equipe de som…, um carnaval! Eu o fiz por Juliano.
Em uma entrevista em 2007 ao EL PAÍS, jornal em que publicou seus principais trabalhos, disse que nunca utilizaria o digital, mas acabou por fazê-lo.
A qualidade do digital no começo não era tão grande e depois foi uma facilidade porque permitia usar uma câmera leve, rápida. Além disso, a qualidade em filme caiu porque era muito caro… Em minhas viagens, levava 600 rolos de filme, pesavam 35 quilos, brigava nos aeroportos… Hoje, com uma caixa do tamanho de um celular levo esses 600 filmes
As redes sociais lhe interessam? Há uma conta em seu nome no Instagram.
Não é minha! E no Facebook há outras duas que também não são…, são falsas. Uma vez briguei por meses para que retirassem uma conta e apareceram cinco. Não me interessa, o que é exposto ali é… como se você abaixasse as calças e mostrasse a bunda pela janela. Não é da minha geração, não é o meu mundo.
Fonte ; Manuel Morales , El Pais