Por que ‘O Grito’ está desbotando

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O Grito está desbotando. E minúsculas amostras de tinta da versão de 1910 da famosa imagem de Edvard Munch retratando a angústia foram submetidas a raios X, lasers e até microscópios eletrônicos de alta potência conforme os cientistas recorrem à tecnologia de ponta para descobrir por que partes da tela que eram de um brilhante amarelo alaranjado são agora brancas como o marfim.
Cada vez mais, o mundo da arte recorre aos laboratórios para compreender o comportamento de pinturas do fim do século 19 e início do século 20. Os amarelos cromo de Vincent Van Gogh (alguns começaram a ficar marrons) e seus roxos (alguns ficaram azulados) já foram amplamente pesquisados. A paleta de Munch é menos estudada, e os cientistas usam ferramentas avançadas como microscópios de transmissão eletrônica para fazer novas descobertas.
Recentemente, Jennifer Mass, presidente do laboratório de análise científica da arte, no Harlem, cuja equipe está pesquisando O Grito, explicou os princípios do estudo. Ela apontou para uma fotografia que parecia mostrar um conjunto de estalagmites: era a superfície da obra vista sob o microscópio.
O material de Munch foi agora analisado de maneira mais extensa, e a pesquisa, a ser publicada no segundo trimestre, apresenta uma história mais completa do quadro. A equipe de Jennifer conseguiu determinar as tintas que Munch escolhia graças aos tubos deixados por ele (1.400 deles fazem parte do acervo do Museu Munch). Com o passar do tempo e a exposição, o sulfeto de cádmio amarelo oxidou, convertendo-se em dois compostos químicos brancos: sulfato de cádmio e carbonato de cádmio.
De acordo com Jennifer, a análise traz implicações para os quadros do impressionismo ao expressionismo, produzidos entre 1880 e 1920 usando o cádmio amarelo. Ela estima que 20% dessas obras sofram com fenômenos semelhantes.
As cores do fim do século 19 e início do século 20 estão desbotando particularmente rápido por causa de mudanças ocorridas na produção de tintas. As tintas eram feitas a partir de minerais extraídos do solo e moídos ou usando tinturas extraídas de plantas e insetos. A revolução industrial trouxe a produção de pigmentos sintéticos como o amarelo do cádmio e do cromo, que os artistas misturavam com óleo e solventes. Os artistas começaram a fazer experimentos com esses pigmentos sintéticos, às vezes preparados sem o devido cuidado e sem testes de longevidade, mas seu brilho era excepcional – possibilitando as paletas brilhantes do fovismo, do pós-impressionismo e modernismo.
Naquele momento, muitos artistas abandonavam as técnicas de pintura tradicionais, de acordo com Lena Stringari, vice-diretora e restauradora-chefe do Museu e Fundação Solomon R. Guggenheim, que estudou mudanças na cor e pigmentação na obra de Van Gogh. “Muitos artistas estavam trabalhando ao ar livre, experimentando diferentes tintas e teorias de cor”, disse ela. “Houve uma explosão de cor com a rejeição da academia.”
Isso aumentou a popularidade dos novos pigmentos, disse Jennifer, mas estes eram imprevisíveis. “Não podemos dizer: ah, é uma árvore, então sabemos que a folhagem seria verde”, explicou ela, “porque, no caso de Matisse ou Munch, isso não é necessariamente verdadeiro. Assim, recorremos à ciência”.
É impossível recapturar essas tonalidades, mas a ciência pode nos aproximar delas. O professor Koen Janssens, do departamento de química da Universidade da Antuérpia, que estudou os pigmentos de Van Gogh, Matisse e outros, disse: “A ideia é tentar reverter o tempo de maneira virtual”. Os restauradores não pretendem aplicar novos pigmentos às telas – mas uma reconstrução digital pode recuperar esse passado. Jennifer prevê um crescente uso da realidade aumentada na restauração, possibilitando que um visitante aproxime o celular de uma pintura para ver suas cores anteriores na tela
Fonte: Portal Terra