“Cresci neste mundo chamado natureza, mas foi no Brasil que ela me provocou um grande impacto. Eu a compreendi e tomei consciência de que sou parte dela […]. Desde então, o que faço é denunciar a violência contra a vida. Esta casca de árvore queimada sou eu.” *
Há estética em transformar o mangue em material artístico?
Meu trabalho às vezes chega ao estético, mas sem querer. Não é todo dia que eu consigo fazer um trabalho que grite alto, como eu gostaria. Às vezes ele cai um pouquinho no estético, sem que eu tenha intenção.
Mas o mangue também é hostil: há calor, há os cheiros, há a lama, os espinhos, a dificuldade de andar…
Nada é pior que a vida urbana, que as leis que regem a vida nas cidades. Vivemos sem liberdade nenhuma nas cidades. Nas cidades, vivemos em bunkers. Se queremos saber o que está acontecendo, ligamos a televisão, e ela diz para não fumarmos mais, para irmos sempre à direita, para não olhar para baixo, para olhar para cima. No mangue, não.
É então que nasce a sua arte com preocupação ecológica?
Pouco depois de me instalar em Nova Viçosa, fiz uma exposição no Centro Georges Pompidou, em Paris. Três vezes por semana, eu ia lá e mostrava fotos do Brasil e dialogava com o público. Depois dessas conversas, compreendi que o meu desejo não era apenas o de trabalhar com a natureza. Compreendi também que deveria defender a natureza com o meu trabalho. Voltei para o Brasil e comecei a fazer grandes viagens, a ver toda a destruição, a fotografar, a captar e trazer a morte para mostrar: “Vejam, onde havia uma bela árvore, hoje existe um pedaço de carvão”.
Isso é arte?
Se é arte ou não, é assunto para os outros. Não interessa se as pessoas gostam ou não do que faço. Todos têm o direito de gostar ou não de minha arte, de achar que faço arte ou não. Sou revoltado contra o que está acontecendo. Contra a luta do homem contra o homem, do homem contra a natureza, do homem contra a vida. O meu trabalho é a única maneira de me expressar. Se começo a gritar na rua, me botam num hospital de doidos.
A sua arte anterior à fase ecológica fazia sentido?
A expressionista, sem dúvida. Ela nasceu de um movimento social, nasceu da miséria que atingiu a Alemanha, nasceu da revolta contra essa miséria. A Revolução chegou à Rússia por acaso. Ela estava prevista para chegar antes na Alemanha, com Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. A Revolução chegou ao país errado, à Rússia miserável, com seus 80% de analfabetos. Então, a Revolução ficou no ar. E a história mostrou que Stálin fez tantos estragos quanto Hitler. Stálin fez um grande mal ao movimento marxista. Então, a arte pode ser bela ou não, pode ser política ou não, isso não é o mais importante. As colagens de Matisse não eram políticas, por exemplo. Elas eram revolucionárias: um homem de mais de 80 anos tinha a coragem de mudar a sua arte, de ser jovem e de arriscar.
O que se poderia fazer para incentivar a arte?
É preciso haver diálogo. E é preciso não fazer certas coisas. Agora mesmo, vão trazer o museu Guggenheim para o Rio. Vão gastar uma fortuna para trazer artistas americanos, como acontece no Guggenheim da Espanha. Mas lá houve uma coisa específica: Bilbao estava numa decadência absoluta, e o museu foi construído, com dinheiro da Espanha e da prefeitura, para atrair turistas. Mas e aqui? Vão gastar dinheiro para trazer o Guggenheim enquanto nossos museus estão abandonados, quando não há movimento cultural? Queremos copiar quem? Não há diálogo sobre esses assuntos.
Fonte ; (trecho) Mario Conti , Folha de S.Paulo e *Itaú Cultural