Entrevista : Tomie Ohtake (1913-2015) considerada como “a dama das artes plásticas brasileira”. Foi uma das mais importantes representantes do abstracionismo informal.
Conte-nos um pouco de sua história. Suas lembranças da infância e adolescência vividas em Kyoto.
Tomie – De minha infância lembro bem que, com cinco anos, fiquei doente. Tive pneumonia e, naquela época, era uma doença muito grave. Minha mãe ficou muito triste e preocupada e, para me agradar, me perguntou o que eu mais queria naquele momento. Eu respondi: comer sushi! Depois disto eu sarei e nunca mais fiquei doente.
Fale-nos sobre seus pais. Como eram? Como viviam? O que faziam?
Tomie – Minha mãe era muito boa e eu tenho saudades dela. Morávamos em Kyoto numa casa bem grande e meu pai era um empresário de madeira. Minha mãe era dona de casa. Éramos seis, cinco homens e eu, caçula, a única mulher. Meu pai morreu quando eu era pequena, no dia do casamento de meu irmão mais velho. Foi chocante e por isso ainda me lembro deste dia.
Como e quando descobriu seu talento para as artes plásticas?
Tomie – Sempre gostei de desenhar, desde pequena. Na escola, o que eu mais gostava era da aula de artes, rabiscava a todo instante. Havia a pintura japonesa tradicional, com tinta de terra, mas eu não gostava daquilo, da linha fina e dos detalhes. Mas, nunca pensei em ser pintora. Isso aconteceu quando eu já era uma mulher de 39 anos.
O acaso de ter ficado no Brasil, em razão da II Guerra, foi responsável pelo despertar de seu talento artístico? Como ocorreu o ingresso na vida artística?
Tomie – O Brasil me possibilitou ser a artista que sou hoje. Cheguei aqui, acabei me casando e quis por opção, só cuidar da casa e de meus filhos. E eu era uma boa dona de casa, tinha dois filhos, mas sempre gostei de fazer pinturas. Mas, isso em meu caminho é uma coisa pequena, o casamento é muito maior, mais importante. Depois, quando as crianças estavam maiores e me sobrava um pouco de tempo, pensei que então poderia começar a pintar com mais dedicação. Eu estava contente e pintava com alegria. Eu nunca pensava em estilo. Agora tem que ser assim, não é? Nunca pensei nessas coisas. O meu desejo era só pintar. Queria pintar o que vinha do coração e não apenas o que via.
Além das artes plásticas, quais são as outras formas de expressão artística que mais despertam seu interesse, que mais lhe emocionam? Por que?
Tomie – Gosto muito de dança, cinema e música. Acho que todas estas experiências como espectadora me sensibilizam e acabam inconscientemente influenciando a minha criação. Acredito na arte como forma de melhorar a vida das pessoas.
A senhora acha que o Brasil valoriza os seus artistas? Ou apenas os estrangeiros? Aliás, como a senhora se coloca? “Nacional” ou “estrangeira”?
Tomie – Eu adoro o Brasil e repito isto todos os dias. Sou naturalizada brasileira. Acho que o Brasil é um país generoso e sabe valorizar quem é bom no que faz. Nunca pensei nisto – brasileira ou estrangeira – não passa pela minha cabeça este tipo de coisa.
A senhora planeja o seu trabalho ou ele “brota”, repentinamente?
Tomie – Na maioria dos casos as solicitações vem de fora. São convites para fazer esculturas, pinturas, é mais ou menos assim. Então, são encomendas para exposições, tudo vem por convite. E aí é preciso ver o local, principalmente quando é para fazer escultura, tem que adapta-la ao local. Tem que sentir o ambiente.
Num mundo marcado por violências de todo tipo, políticas, econômicas, etc, a senhora é otimista quanto ao futuro da humanidade? Como enfrentar tantos problemas sociais? A arte pode ser uma alternativa, um caminho? De que modo?
Tomie – Sou otimista sempre. A arte, sem dúvida, faz bem para o dia-a-dia das pessoas e, por isso, cada vez mais, gosto de produzir obras públicas para que todos possam ter contato com o meu trabalho.
Em relação às suas obras expostas em outros países, quais lhe são mais significativas?
Tomie – A exposição retrospectiva no Museu Hara em Tokyo em 1988; as individuais em Londres, Nova York, Washington, Miami; em coletivas, a Bienal de Veneza, quando fui convidada para a Graffica d´Oggi; as salas especiais nas Bienais de Havana e Cuenca.
Fonte: Revista Sesc/SP