Christiane Paul: A net art é colecionável

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A curadora Christiane Paul durante conferência na New York University (Foto: Divulgação)
Curadora do Whitney Museum fala sobre a inclusão da arte digital com novos modelos de colecionismo e práticas sólidas de preservação
Olhando para trás, o que se tornou realidade do sonho que envolveu a prática artística e curatorial com o surgimento da internet?
Christiane Paul: O sonho original de mudanças radicais trazidas pela net art não se concretizou como previsto, mas certamente se manifestou de várias maneiras. A Web se tornou um dos principais atores na representação e no acesso à arte – por meio de sites de organizações culturais, galerias, feiras de arte e casas de leilões, para citar apenas alguns – e as mídias sociais criaram outro espaço para acessar arte através de canais do YouTube, visitas ao Twitter, apresentações ao vivo no Instagram etc. O mundo da arte se tornou muito mais sofisticado ao pensar sobre a relação entre os espaços online e offline e a maneira como a galeria física e os ambientes de exibição virtual se complementam. A net art, a única forma de arte criada para ser experimentada em espaços online, passou por ondas de evolução e agora é mais integrada ao mundo da arte convencional e ainda mantém uma posição única fora dele. Ela também começou a se entrelaçar com o mundo físico, levando à criação de obras de arte que não seriam possíveis sem a rede, mas que assumem a forma física e são comumente descritas como arte pós-internet. A própria prática curatorial também mudou. Hoje, os curadores se entendem cada vez mais como mediadores entre plataformas de troca, sejam elas a galeria ou o virtual. A Covid-19 mudou a “relação de poder” entre o espaço físico e online, levando o ambiente da Web para o primeiro plano, como o único ponto de acesso. O fato de a maioria das organizações artísticas e culturais ter sido obrigada a fazer programação online também levou a uma exploração mais aprofundada de como tornar diferentes formas de arte melhor acessíveis virtualmente.
Nesses primeiros meses, você notou alguma mudança? Como avalia a grande quantidade de projetos virtuais que surgiram durante a pandemia?
Não vi nenhum aumento de trocas ou colaborações entre o mundo mainstream e o mundo da arte digital durante os primeiros meses da pandemia. Acho que também é preciso fazer distinções cuidadosas entre os “projetos virtuais” lançados nas últimas semanas. A maioria dos projetos institucionais que surgiram neste período consistiu em representações de exposições já instaladas ou o armazenamento de coleções em sites, YouTube, Vimeo e lives no Instagram. As exposições agora têm uma presença online expandida, conversas com artistas e tours acontecem no Instagram; as exibições são feitas virtualmente; e os museus exibem seleções de sua coleção com comentários ou histórias pessoais no Instagram. Muito poucas dessas “exposições” online escolhem produzir apresentações em 3D das galerias, e a maioria dos projetos não foi criada especificamente para este ambiente. Uma das poucas exceções foi We=Link: Ten Easy Pieces, do Chronus Art Center, em Shanghai, que optou por substituir uma exposição física cancelada por comissionamentos para legitimar a net art, que foram então coorganizados em colaboração com várias instituições. Eu venho comissionando arte online no site artport, do Whitney Museum, desde 2001 e, embora o cronograma das comissões não tenha mudado durante a pandemia, elas receberam muito mais atenção da mídia.
Embora as instituições de arte usem tecnologias digitais em sua infraestrutura, elas ainda enfatizam a exibição presencial. No Brasil, muitas exposições virtuais são linguagens tradicionais mostradas na mídia virtual. Por que existe uma relutância em investir em arte digital-born?
Acho que o foco do mundo da arte brasileiro em exposições online que mostram formas de arte tradicionais não é, de forma alguma, uma exceção. A relutância à arte digital nasce de uma história longa e muito complexa a partir da década de 1960. Acredito que um dos maiores desafios que essa forma de arte coloca é o entendimento de sua linguagem e estética visual e conceitual, bem como seu contexto. O público costuma percebê-la como nerd, obtusa e fria, sem “toque humano”. À medida que as pessoas estão cada vez mais expostas à tecnologia, isso parece mudar lentamente. Estética à parte, a arte digital pode ser difícil de se apresentar e as instituições muitas vezes carecem de infraestrutura para isso. A preservação e o colecionismo, bem como o fato desta forma de arte estar sub-representada no mercado, foram outros fatores. Acredito que vimos muito progresso nesses tópicos nas últimas duas décadas. Graças a muitas iniciativas, agora existem práticas sólidas de preservação, os modelos de colecionismo evoluíram, o mercado de arte presta mais atenção e surgiram colecionadores sérios especializados neste meio.
Você acredita que a migração de obras de arte em suportes convencionais para a mídia virtual é algo que deve ser explorado?
Depende do que você quer dizer exatamente. Viabilizar a representação online de obras de arte tradicionais e, assim, dar a visitantes, pesquisadores e educadores pelo menos alguma forma de acesso a elas certamente parece benéfico. No entanto, não acredito que “traduzir” e migrar obras de arte tradicionais para um formato online seja um objetivo desejável por si só, pois o sucesso dessa transformação depende completamente do conceito da obra de arte. Algumas peças podem se prestar a uma extensão e ativação online, principalmente se tiverem um componente performativo. Outras obras poderiam ser destruídas conceitualmente nessa migração. As obras de arte estão ligadas à sua materialidade, seja virtual, tinta ou bronze, e há uma razão conceitual para que elas se comuniquem melhor em determinadas formas materiais. (por: Select)

TOPPO ARTES, para os colecionadores e apreciadores das Artes.

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